Negócios sustentáveis e o futuro do planeta
Com o tempo palavras podem ficar desgastadas. Conceitos, não. Eles podem ou não ser aceitos, reformulados ou reinventados. Mas servem de referência e balizam ações. É o caso, por exemplo, do conceito de sustentabilidade que é determinante num amplo espectro da atividade humana, que vai dos negócios ao futuro do planeta.
Para os preservadores de madeira foi bem apropriada a definição do tema sustentabilidade na sexta edição da Femade – Feira Internacional da Indústria da Madeira, Móveis e Setor Florestal realizada em São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, em 2010. Empresas expositoras de máquinas e equipamentos e os ciclos de palestras técnicas contemplaram o tema, mostrando seu vigor e atualidade. Também o seminário da Femade foi emblemático: “O Uso Sustentável da Madeira”.
Hoje, o setor industrial-madeireiro além de abastecer a indústria moveleira e de embalagens é também dependente das exportações, ora em declínio, e da construção civil. Na construção de edificações a madeira enfrenta materiais concorrentes pouco ou nada sustentáveis como concreto, plásticos e metais. Entretanto, curiosamente os fabricantes desses produtos os apresentam como paradigmas da sustentabilidade.
Por outro lado, em países onde a madeira é muito utilizada nas construções e sem muito alarde, são consumidos grandes volumes desse material. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos. No período 2006-2007, portanto, antes da deflagração da crise internacional de 2008, o total de madeira serrada consumida pelo setor construtivo local era em média da ordem de 132 milhões de metros cúbicos por ano. Passada a crise, no período 2009-2010, projeta-se uma lenta recuperação. O consumo deve ser da ordem de 80 milhões de metros cúbicos por ano, segundo dados publicados em maio de 2010. Os usos da madeira serrada predominam nas reformas, ampliações, reparos e construção de residências unifamiliares e industriais.
Já no Brasil estima-se o consumo de madeira serrada em 22 milhões de metros cúbicos por ano. Desse total, apenas 20% ou 4,4 milhões de metros cúbicos, vão para a construção. O maior consumo é do setor de embalagens. Há um grande contraste, verdadeiro abismo, entre o consumo norte-americano e o brasileiro. Não é de hoje que a ABPM aponta o fator cultural como sendo diretamente ligado à saúde do setor industrial-madeireiro nacional. Desses 4,4 milhões de metros cúbicos, o volume representado pela madeira de reflorestamento tratada que se destina à construção civil é ínfimo, não chega a 3%. Ainda predomina a madeira tropical sem tratamento no setor. Nos Estados Unidos, nada menos do que 18,5% daqueles 80 milhões de metros cúbicos, quase 15 milhões de metros cúbicos, referem-se à madeira tratada.
O Brasil sempre esteve acomodado pela enorme disponibilidade de madeiras nativas, os custos eram muito acessíveis e as madeiras com excelentes características tecnológicas. A abundância foi durante muito tempo uma verdadeira barreira ao maior desenvolvimento tecnológico relacionado ao uso da madeira em sistemas construtivos no Brasil. A exploração extrativista vinha dilapidando esse patrimônio e, ao mesmo tempo, não se desenvolviam em quantidade e qualidade necessárias estudos para usos adequados das madeiras nativas e cultivadas tratadas.
Como consequência, a nossa engenharia foi se estabelecendo com base em materiais alternativos, fazendo predominar sistemas construtivos com materiais pseudo-ecológicos como o concreto, o plástico e o aço. Fica em segundo plano o material construtivo que mais contribui com a sustentabilidade que é a madeira, especialmente a cultivada: vem de fábrica não-poluidora, tem ciclo curto e é sequestradora de carbono. É importante reconhecer também que o setor da preservação não pode simplesmente transferir para engenheiros, arquitetos e mercado a responsabilidade pela opção por materiais construtivos pouco ou nada sustentáveis. É dever dos preservadores apoiar a elaboração de normas técnicas, procedimentos de qualidade e legalidade.
A ABPM está empenhada em ajudar a corrigir as distorções no menor tempo possível, com a introdução de um exclusivo Selo de Qualificação. Com o apoio do IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, a Associação desenvolve um projeto de qualificação da unidade industrial e da madeira tratada para o mercado. Dentro de um programa voluntário, as unidades industriais do setor serão auditadas quanto aos aspectos técnicos e legais e a ABPM, como entidade orientativa, procurará apoiar as empresas associadas na superação das não-conformidades, providenciando as adequações necessárias que as credenciem ao “Selo de Qualificação”.
Artigo de:
Flavio C. Geraldo
Diretor da ABPM – Associação Brasileira de Preservadores de Madeira
www.abpm.com.br