Debate sobre royalties do pré-sal é superficial, diz governador
O governado do Espírito Santo, Paulo Hartung, disse, em entrevista à Folha, que todas as discussões sobre os projetos de lei do pré-sal ocorrem com base em “muito improviso” e de modo superficial –o que gera problemas como a emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS), aprovada na madrugada desta quinta-feira e que redistribui igualitariamente os recursos dos royalties do petróleo entre Estados e municípios.
Hartung, que não concorrerá nas eleições de outubro, defendeu uma redistribuição dos recursos, desde que seja assegurada uma fatia maior para Estados e municípios produtos. Na sua visão, a emenda é inconstitucional.
Para o governador, um acordo sobre o tema deve ser costurado somente após as eleições e só sairá, se a União abrir mão de uma fatia dos recursos.
Hartung se opôs ainda ao presidente Lula, que criticou o fato da proposta do fundo social, também aprovada pelo Senado, “carimbar” boa parte dos recursos. O governador defende que o foco da alocação do dinheiro dos royalties deve ser educação e ciência e tecnologia.
Folha – De que modo a emenda Simon prejudica os Estados produtores?
Paulo Hartung – A emenda que saiu da Câmara [a emenda Ibsen] tinha duas inconstitucionalidades e era injusta com os Estados produtores. Não era uma proposta equilibrada. Tanto que, quando aprovaram na Câmara, a reação que a gente viu foi favorável aos Estados produtores. Foi para o Senado com essas duas inconstitucionalidades e o Pedro [Simon, senador PMDB-RS] pensou numa forma de corrigir essa injustiça, colocando na conta da União o ressarcimento das perdas dos Estados e municípios confrontantes. Mas tem dois problemas. Há uma outra inconstitucionalidade porque o parlamentar não tem iniciativa de emenda em matéria orçamentária. Portanto, a emenda é inconstitucional e não dá segurança jurídica nenhuma para os Estados. Além disso, a tradição brasileira de a União ressarcir outros entes federados [prevista na emenda] não é boa.
Folha – Qual é a solução para resolver o impasse criado com emenda?
Hartung – Eu acho que é o acordo que nós tínhamos feito para tratar da matéria posteriormente à eleição. Isso tira esse ambiente eleitoral carregado de emoções do debate. Estamos tratando de uma coisa que vai influenciar o país nos próximos 30 anos. Esse acordo era muito bom.
Folha – O sr. crê no veto do presidente Lula à emenda?
Hartung – O veto, posterior à tramitação na Câmara, repõe a questão, reequilibra e abre de novo uma mesa de negociação para a gente construir uma solução favorável a produtores e não produtores. Eu sempre defendi que a riqueza do pré-sal seja partilhada com Estados e municípios não produtores. Mas é evidente que eu acho que tem de focalizar a alocação desses recursos. Não deve ser algo em aberto.
Folha – O sr. defende mais recursos para educação, por exemplo?
Hartung – Isso. Temos de direcionar para algumas áreas que são obstáculos ao desenvolvimento sustentável do país, como ciência e tecnologia e educação, decisivas para o nosso futuro.
Folha – Quando o sr. fala em redistribuição o sr. defende, ao mesmo tempo, que os produtores fiquem com uma parcela um pouco maior dos royalties?
Hartung – Não é que ache isso. Se você ler a Constituição, ela diz que é assegurada aos Estados e municípios participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural ou compensação pela exploração [que o conceito de royalty]. É um comando constitucional claro: Estados e municípios devem ter uma participação ou uma compensação financeira. Quando há uma distribuição igualitária, está se afrontando esse comando constitucional. Por isso que eu digo que, quando [a emenda Ibsen] saiu da Câmara, já saiu com duas inconstitucionalidades. Saiu com essa e com a outra de tentar invadir [redistribuir royalties de] áreas que já estão em produção e que já foram concedidas. Aí, você rasga contratos juridicamente perfeitos. Foram mantidas essas duas inconstitucionalidades e embutida mais uma, que é o ressarcimento da União aos produtores. O melhor e o compromisso que o presidente Lula tem com o Rio e com o Espírito Santo é o veto e um posterior acordo.
Folha – Quais seriam os termos desse acordo?
Hartung – O acordo tem de passar por manter e respeitar os contratos assinados, respeitar o tratamento diferenciado das áreas produtoras e contemplar o resto do Brasil. Dá para fazer as três coisas equilibradamente. Mas a União vai ter de abrir mão de um pedaço.
Folha – O sr. não acha que toda a discussão sobre os projetos do pré-sal foi açodada?
Hartung – Houve muita pressa e muita conexão com os palanques eleitorais. Temos de tirar essa emoção do debate. Estou em final de mandato. Não participo da eleição, mas isso não é racional. Eu já acho que o debate sobre a mudança do regime de concessão para o de partilha foi superficial. Precisava ter sido aprofundado. Foi tudo muito açodado. O sistema que está em vigor [o de concessão] e foi implantado no governo do [ex] presidente Fernando Henrique Cardoso teve êxito. Até para mudar precisava de um debate mais profundo. Tudo está sendo feito com muito improviso. Isso não é bom.